terça-feira, 1 de outubro de 2013

AVARIAS NO TRANSPORTE E COMÉRCIO MARÍTIMO



AVARIAS NO TRANSPORTE E COMÉRCIO MARÍTIMO

1 – INTRODUÇÃO

Em qualquer unidade produtiva voltada para o lucro, quando se escuta a expressão "avaria", pensa logo na perda de bens, logo vem a preocupação com danos, custos, produtividade, orçamento, parada da planta ou equipamento, impacto ambiental, poluição, culpa, acidentes, afastamentos do trabalho, dano moral, seguro, indenização, P&I, multa administrativa, processo jurídico, responsabilidade civil, etc.
Na marinha mercante em termos de comércio exterior, envolve não somente danos os prejuízos materiais, mas também despesas além do orçamento previsto e normal para a viagem.
A Carta Magna prevê nos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, a "perda de bens" no art. 5º, XLV, "b". A perda de bens é o resultado de um dano, pois não se poderia falar em indenizar, nem em ressarcir, se não houver dano.
De acordo com o Código Comercial avarias são todas as "despesas extraordinárias" feitas à bem do navio ou da carga, conjunta ou separadamente, e todos os danos acontecidos àquele ou a esta, desde o embarque e partida até a sua volta e desembarque, daí podemos concluir que resulta a avaria em dois tipos: "Avaria Dano e Avaria Despesa".

2 – TIPOS DE AVARIAS

Para entendermos melhor a diferença vejamos:

Avaria Dano: Uma caldeira que explode uma escada de portaló destruída em uma manobra infeliz de atracação, uma colisão de um portainer contra um guindaste de bordo numa operação infeliz de carregamento, o apodrecimento de uma carga de atum estivada em um container frigorífico sem a devida aplicação de temperatura de transporte, um incêndio em fardos de algodão causado por combustão espontânea por ter embarcado parcialmente molhado, um container que solta do spreader e projeta sobre o fundo do porão causando rasgo no tanque combustível, etc.
Desta forma podemos definir desta forma que Avaria Dano como qualquer prejuízo que sofrer o navio, seus equipamentos, a carga ou seu envoltório, que transporta.
Por outro lado se um navio sofreu um acidente impossibilitando sua saída por motivos de apuração de responsabilidades, vistorias das autoridades, investigação policial, vistorias de Sociedades Classificadoras, Vistorias de Seguros, reparos provisórios ou permanentes, aguardando uma peça que veio para substituir a que sofreu avaria, etc., logo origina um atraso e descumprimento do seu programa operacional (Schedule), vindo a acarretar pagamento de qualquer sobretaxa, ultrapassando a estadia (laytime), seja originando adicional de frete, causando um deslocamento do navio para outro berço (shifting), logo estas despesas serão arroladas como Avaria Despesa.

Dependendo do contrato de afretamento (COA), poderão ser estipulados os casos de força maior, o que desobriga a quem deveria cumprir com a obrigação, como exemplo tem os casos de fenômenos meteorológicos, revoluções, guerra civil, greve, falta de energia, congestionamento no porto, etc., e neste caso existem cláusulas contratuais que o tempo é contado pela metade. Existem questionamentos quanto à contagem de tempo devido greve de tripulação, se pode estar inclusa no caso de força maior, por se tratar de um atraso imprevisível.

3 – CLASSIFICAÇÃO DAS AVARIAS

Tecnicamente as avarias podem ser classificadas como:

-Avarias ao navio: são aquelas que ocorrem ao navio durante sua passagem marítima ou durante operação nos portos;

-Avarias à carga: são aquelas ocasionadas pela maneira irregular no manuseio, ou por estivagem imprópria, por exemplo, aquelas causadas em sacarias por uso de ganchos, causadas por lingadas mal feitas, manuseio descuidado por parte do guindasteiro (guincheiro), por descumprimento de marcações e indicações da embalagem, causadas pela exposição ao tempo (chuva, neve, atmosfera insalubre), forração, peação e calçamento inadequados, uso de equipamento de içamento inapropriado, por excesso na sobreposição de peso, mudança de temperatura, vazamento de carga líquida, carga perigosa sujeita a combustão espontânea, etc.

-Avarias ao navio e à carga: são aquelas sofridas por fenômenos naturais, como por exemplo, tsunami, furacão, tempestade, navegação em regiões com formação de gelo, etc.

-Avarias ao navio pela carga: são as que por alguma falha operacional veio a causar danos, por exemplo, uma peação que partiu uma chapa que cedeu devido ao peso incorretamente informado, um colapso de fiada que tombou durante operação, etc.

-Avarias a carga pelo navio: são as que por alguma falha mecânica ou operacional de um equipamento causou dano, por exemplo, uma carga que queimou devido ao alto grau de aquecimento de um tanque de combustível, uma falha de ventilação causando aquecimento do porão, uma lança de guindaste que tombou sobre um container, uma mangueira de óleo lubrificante que estourou molhando fardos de sisal, etc.

-Avarias ao pessoal: são aqueles fatos da tripulação como os acidentes que se verifica pelo exercício do trabalho a bordo, provocando direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional, doença que determina a morte, perda total ou parcial, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho, gerando perda de receita ou realização de despesas (saúde, imagem), por exemplo, um cabo de amarração partiu atingindo a perna de um marinheiro durante operação de desatracação, um holofote que caiu do mastro atingindo o crânio de um oficial causando óbito, vazamento de produto químico de container causando intoxicação na tripulação, quarentena devido alguma doença contraída pela água potável, etc.

O direito brasileiro reconhece duas espécies principais de avarias, que pode levar a outra divisão que tem ligações com o aspecto técnico citado anteriormente.

1º) Avaria simples ou particular (CCB art. 766): é um ato involuntário que gera dano e despesa extraordinária (prejuízo), sofrido por qualquer causa que seja, ao navio, às cargas ou a uma e outra simultaneamente, ou seja, apenas pelo dono da coisa avariada, isto é, somente pela coisa que sofreu o dano ou deu causa à despesa, por exemplo, os prejuízos causados por um incêndio, negligência no acondicionamento da carga, dano causado ao navio por um passageiro, falta de vigilância da tripulação, má arrumação da carga, ou vício próprio. Ela é particular pois recai somente e unicamente sobre a coisa que as sofreu.

Vício próprio é uma condição inerente à natureza da coisa, cuja tendência a deteriorar ou aniquilar exclui a responsabilidade do transportador marítimo, por exemplo, derramamento de certos líquidos por aumento da temperatura, fermentação, combustão espontânea, decomposição, etc. como também pode ser do navio, como por exemplo, falha de construção, antiguidade, defeito nas máquinas, tratamento ou reparo inadequado, etc.

2º) Avaria grossa ou comum (Gross, General Average) (CCB art. 764): é um ato deliberado do comando da embarcação, gerando dano ou despesa extraordinária, feita deliberada, regular e utilmente, para o bem da salvação comum do navio e carga, ou seja, aquela em que os prejuízos são divididos proporcionalmente por todos aqueles interessados na aventura marítima (navio, o frete e a carga), frente a um perigo iminente ou de um fato imprevisto, pois que os danos são causados voluntariamente a fim de se evitar um prejuízo maior salvando ambos, por exemplo, varação (encalhe deliberado) ou se for um encalhe de caso fortuito por erro de profundidade informada, perda de leme ou hélice ficando à matroca, motor principal sem força propulsora (deriva). Ela é comum por ficar claro que é comum a todos os participantes da viagem marítima, teve entre os seus elementos o sacrifício, diante de um perigo, para salvação comum, e trazendo um resultado útil.

Alijamento: é ato de avaria comum, por exemplo, é o lançamento ao mar de objetos carregados no navio para aliviá-lo, ou para salvamento do navio ou sua tripulação.

A história nos conta que segundo o "Código Justiniano", fundamentou o princípio da equidade, para este caso através da "A Lei de Rodes" que decreta, que se atirar uma carga borda afora para se aliviar um navio, e que isso tenha sido para o bem de toda esta carga, será substituída por todos.

Juridicamente voltado para o lado da responsabilidade civil, onde pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano, vejamos:

a) Avaria Fortuita: é aquela causada por força maior, a despeito de todas as precauções tomadas, por exemplo, uma tempestade que causa dano ao navio ou à carga, neste caso o dano sucedido fica a cargo particular da coisa ou do segurador que se tornou responsável pela indenização. Neste conceito configura as fortunas do mar, ou seja, caso fortuito ou força mar, por exemplo, as tempestades, as mudanças forçadas de derrota (arribada), os abalroamentos, os encalhes, os naufrágios, os incêndios, a ação das correntes oceânicas, os nevoeiros, etc.

b) Avaria culposa: é aquela causada por negligência, imperícia ou imprudência.

c) Avaria dolosa: é o dano ou despesa provocado "intencionalmente" e "desnecessariamente".

As avarias são regulamentas por cada país, entretanto devido ao Comércio Marítimo Internacional, as avarias comuns são também interpretadas e discriminadas nas "Regras de York e Antuérpia, 1950", e adotadas universalmente.

Em toda ocorrência de avarias temos dois resultados, aquelas que são de perda total ou parcial que deixam "salvados" , aqueles bens que após o sinistro tem algum valor econômico, isto é, ficaram em estado perfeito de reaproveitamento quando parcialmente destruídos ou danificados, o que para qualquer das partes contratantes do seguro haverá interesse.

Temos uma classificação para as causas das avarias:

a) Endógenas: quando a causa está na própria carga.

b) Exógenas: quando a causa é exterior à mercadoria, por exemplo:
- antes do embarque;
- devidas à manipulação;
- devidas à embalagem inadequada;
- pela pressão ou atrito;
- pela temperatura, calor ou frio;
- por manchas, contaminação;
- por umidade ou condensação;
- por vício próprio ou oculto;
- pelos movimentos do navio no mar;
- pelas condições de estabilidade do navio;
- por ratos, vermes ou outros insetos;
- por furto ou roubo;
- por falta de ventilação ou de controle de temperatura;
- outros.

4 – ETAPAS DA APURAÇÃO DE UM SINISTRO

Apuração de danos: tem como objetivo o levantamento da causa, descrição da natureza do fato que deu a causa, e apuração das avarias.

Procedimentos de apuração de responsabilidade e danos: Os acidentes e fatos da navegação, definidos em lei específica, que geram avarias, serão apurados por meio de inquérito administrativo instaurado pela autoridade marítima, para posterior julgamento no Tribunal Marítimo.

Protesto Marítimo (CCB art. 509): denominado processo testemunhável, é a prova da ocorrência da avaria, que consiste em um relatório circunstanciado dos fatos do local onde ocorreu, seja no mar, operando no porto, fundeado em quarentena, expondo os motivos da determinação do Comandante, com base nos fundamentos da deliberação, após reunião e decisão conjunta com os Oficiais presentes que assinaram a "Ata de Deliberação".

Termo de Ocorrências ou Termo de Suposição de Avaria: aplica-se aos demais, ao contrário do protesto que se aplica aos casos de grandes sinistros como tempestades, naufrágios, incêndio, abalroamento, colisão, etc, ou quando estiverem envolvidas pessoas que não sejam o segurado ou segurador.  

Notificação do acidente causando avarias: Devem ser notificados o armador, a Seguradora, a Sociedade Classificadora do navio, o Capitão dos Portos (no país) e o Consulado Brasileiro (em águas internacionais) no porto mais próximo, onde deverá ser "ratificado" o protesto.

Lavrar o Protesto no Diário de Bordo ou Diário Náutico (CCB art. 504): o assentamento deve ser feito pelos Oficiais, transcrevendo as deliberações tomadas ou também aquelas que somente mais tarde poderão se manifestar.  É importante que os fatos reportados também coincidam com as observações feitas no "Diário de Máquinas".

Carta Protesto: É um instrumento (documento) que denuncia os danos ocorridos, faltas e avarias, expediente previsto por lei, amparado pelo artigo 754 do Código Civil. O prazo legal para o envio de carta protesto é de dez dias contados da data da constatação da evidência do sinistro. A expedição da carta é extensiva, ao transportador marítimo, ao armazém depositário portuário, terminais de cargas e agentes de cargas, conforme o caso. Precisa ser enviada sob protocolo na cópia do documento de protesto, por Aviso de Recebimento da empresa de Correios (AR), ou através de Cartório de Registro de Títulos e Documentos.

Instituto da Arbitragem: Modernamente tem aplicação jurisdicional, quando não se consegue estipular a natureza jurídica, devido às divergências doutrinárias, trazendo resultados satisfatórios entre as partes para solucionar litígios envolvendo avarias, pois se trata de um resultado comum de um "julgamento", onde devem prevalecer os princípios do contraditório, imparcialidade, ampla defesa, entre outros. O resultado seria uma "convenção" onde um árbitro se manifestaria em comum acordo através de um laudo manifestando a vontade destas.

5 - CONCLUSÃO

As avarias sempre estarão cobertas, sendo natural quem assume as despesas recorrer contra aquele que lhe causou o dano, indenizado pelas Seguradoras e pelos Clubes de P&I (Protection and Indeminity). Qualquer que seja o caminho os prejuízos devem ser sempre indenizáveis, por isso vistorias devem ser realizadas por peritos com especialidade marítima, obter registros policiais, fotografias, filmagens, onde serão feitas "apuração dos danos", e feita a "regulação do sinistro", para futura "liquidação" e devido ressarcimento, fases estas cobertas pelo Código Civil art. 779.
Em toda ocorrência de avarias, deve haver sempre uma "Carta de Protesto" contra o causador da avaria, e dependendo da gravidade e comprometimentos, comunicarem as autoridades marítimas.

6 – BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

Código Comercial Brasileiro, Título XIII, Das Avarias. Da Natureza e Classificação das Avarias, arts. 761 a 796.

Arte Naval, Maurílio da Fonseca, Capítulo XIV, Das Convenções e regras internacionais, seção C, Acidentes Marítimos, 1960.

Programa de Responsabilidade Civil, Sergio Cavalieri Filho, 2002.

Direito de Navegação (Marítima e Aérea), Theophilo de Azeredo Santos, 1968.

Direito Marítimo, Femar, 2003.


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