AVARIAS NO TRANSPORTE E COMÉRCIO MARÍTIMO
1 – INTRODUÇÃO
Em qualquer unidade produtiva voltada para o
lucro, quando se escuta a expressão "avaria", pensa logo na
perda de bens, logo vem a preocupação com danos, custos, produtividade,
orçamento, parada da planta ou equipamento, impacto ambiental, poluição, culpa,
acidentes, afastamentos do trabalho, dano moral, seguro, indenização, P&I,
multa administrativa, processo jurídico, responsabilidade civil, etc.
Na marinha mercante em termos de comércio
exterior, envolve não somente danos os prejuízos materiais, mas também despesas
além do orçamento previsto e normal para a viagem.
A Carta Magna prevê nos Direitos e
Deveres Individuais e Coletivos, a "perda de bens" no art.
5º, XLV, "b". A perda de bens é o resultado de um dano, pois não se
poderia falar em indenizar, nem em ressarcir, se não houver dano.
De acordo com o Código Comercial avarias
são todas as "despesas extraordinárias" feitas à bem do
navio ou da carga, conjunta ou separadamente, e todos os danos acontecidos
àquele ou a esta, desde o embarque e partida até a sua volta e desembarque, daí
podemos concluir que resulta a avaria em dois tipos: "Avaria Dano e
Avaria Despesa".
2 – TIPOS
DE AVARIAS
Para entendermos melhor a diferença vejamos:
Avaria
Dano: Uma
caldeira que explode uma escada de portaló destruída em uma manobra infeliz de
atracação, uma colisão de um portainer contra um guindaste de bordo numa
operação infeliz de carregamento, o apodrecimento de uma carga de atum estivada
em um container frigorífico sem a devida aplicação de temperatura de
transporte, um incêndio em fardos de algodão causado por combustão espontânea
por ter embarcado parcialmente molhado, um container que solta do spreader e
projeta sobre o fundo do porão causando rasgo no tanque combustível, etc.
Desta forma podemos definir desta forma
que Avaria Dano como qualquer prejuízo que sofrer o navio, seus
equipamentos, a carga ou seu envoltório, que transporta.
Por outro lado se um navio sofreu um acidente
impossibilitando sua saída por motivos de apuração de responsabilidades,
vistorias das autoridades, investigação policial, vistorias de Sociedades
Classificadoras, Vistorias de Seguros, reparos provisórios ou permanentes,
aguardando uma peça que veio para substituir a que sofreu avaria, etc., logo
origina um atraso e descumprimento do seu programa operacional (Schedule),
vindo a acarretar pagamento de qualquer sobretaxa, ultrapassando a estadia (laytime),
seja originando adicional de frete, causando um deslocamento do navio para
outro berço (shifting), logo estas despesas serão arroladas como Avaria Despesa.
Dependendo do contrato de afretamento (COA),
poderão ser estipulados os casos de força maior, o que desobriga a
quem deveria cumprir com a obrigação, como exemplo tem os casos de fenômenos
meteorológicos, revoluções, guerra civil, greve, falta de energia,
congestionamento no porto, etc., e neste caso existem cláusulas contratuais que
o tempo é contado pela metade. Existem questionamentos quanto à contagem de
tempo devido greve de tripulação, se pode estar inclusa no caso de força maior,
por se tratar de um atraso imprevisível.
3 – CLASSIFICAÇÃO
DAS AVARIAS
Tecnicamente as avarias podem ser
classificadas como:
-Avarias ao navio: são aquelas
que ocorrem ao navio durante sua passagem marítima ou durante operação nos
portos;
-Avarias à carga: são aquelas
ocasionadas pela maneira irregular no manuseio, ou por estivagem imprópria, por
exemplo, aquelas causadas em sacarias por uso de ganchos, causadas por lingadas
mal feitas, manuseio descuidado por parte do guindasteiro (guincheiro), por
descumprimento de marcações e indicações da embalagem, causadas pela exposição
ao tempo (chuva, neve, atmosfera insalubre), forração, peação e calçamento
inadequados, uso de equipamento de içamento inapropriado, por excesso na
sobreposição de peso, mudança de temperatura, vazamento de carga líquida, carga
perigosa sujeita a combustão espontânea, etc.
-Avarias ao navio e à carga: são
aquelas sofridas por fenômenos naturais, como por exemplo, tsunami, furacão,
tempestade, navegação em regiões com formação de gelo, etc.
-Avarias ao navio pela carga: são
as que por alguma falha operacional veio a causar danos, por exemplo, uma
peação que partiu uma chapa que cedeu devido ao peso incorretamente informado,
um colapso de fiada que tombou durante operação, etc.
-Avarias a carga pelo navio: são
as que por alguma falha mecânica ou operacional de um equipamento causou dano,
por exemplo, uma carga que queimou devido ao alto grau de aquecimento de um
tanque de combustível, uma falha de ventilação causando aquecimento do porão,
uma lança de guindaste que tombou sobre um container, uma mangueira de óleo
lubrificante que estourou molhando fardos de sisal, etc.
-Avarias ao pessoal: são aqueles fatos
da tripulação como os acidentes que se verifica pelo exercício do trabalho a
bordo, provocando direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação
funcional, doença que determina a morte, perda total ou parcial, permanente ou
temporária, da capacidade para o trabalho, gerando perda de receita ou
realização de despesas (saúde, imagem), por exemplo, um cabo de amarração partiu
atingindo a perna de um marinheiro durante operação de desatracação, um
holofote que caiu do mastro atingindo o crânio de um oficial causando óbito,
vazamento de produto químico de container causando intoxicação na tripulação,
quarentena devido alguma doença contraída pela água potável, etc.
O
direito brasileiro reconhece duas espécies principais de avarias, que pode levar a
outra divisão que tem ligações com o aspecto técnico citado anteriormente.
1º) Avaria simples ou particular (CCB
art. 766): é um ato involuntário que gera dano e despesa extraordinária
(prejuízo), sofrido por qualquer causa que seja, ao navio, às cargas ou a uma e
outra simultaneamente, ou seja, apenas pelo dono da coisa avariada, isto é,
somente pela coisa que sofreu o dano ou deu causa à despesa, por exemplo, os
prejuízos causados por um incêndio, negligência no acondicionamento da carga,
dano causado ao navio por um passageiro, falta de vigilância da tripulação, má
arrumação da carga, ou vício próprio. Ela é particular pois recai somente e
unicamente sobre a coisa que as sofreu.
Vício
próprio é
uma condição inerente à natureza da coisa, cuja tendência a deteriorar ou
aniquilar exclui a responsabilidade do transportador marítimo, por exemplo,
derramamento de certos líquidos por aumento da temperatura, fermentação,
combustão espontânea, decomposição, etc. como também pode ser do navio, como
por exemplo, falha de construção, antiguidade, defeito nas máquinas, tratamento
ou reparo inadequado, etc.
2º) Avaria grossa ou comum (Gross,
General Average) (CCB art. 764): é um ato deliberado do comando da
embarcação, gerando dano ou despesa extraordinária, feita deliberada, regular e
utilmente, para o bem da salvação comum do navio e carga, ou seja, aquela em
que os prejuízos são divididos proporcionalmente por todos aqueles interessados
na aventura marítima (navio, o frete e a carga), frente a um perigo iminente ou
de um fato imprevisto, pois que os danos são causados voluntariamente a fim de
se evitar um prejuízo maior salvando ambos, por exemplo, varação (encalhe
deliberado) ou se for um encalhe de caso fortuito por erro de profundidade
informada, perda de leme ou hélice ficando à matroca, motor principal sem força
propulsora (deriva). Ela é comum por ficar claro que é comum a todos os
participantes da viagem marítima, teve entre os seus elementos o sacrifício,
diante de um perigo, para salvação comum, e trazendo um resultado útil.
Alijamento: é ato de
avaria comum, por exemplo, é o lançamento ao mar de objetos carregados no navio
para aliviá-lo, ou para salvamento do navio ou sua tripulação.
A história nos conta que segundo o "Código
Justiniano", fundamentou o princípio da equidade, para este caso através
da "A Lei de Rodes" que decreta, que se atirar uma carga
borda afora para se aliviar um navio, e que isso tenha sido para o bem de toda
esta carga, será substituída por todos.
Juridicamente voltado
para o lado da responsabilidade civil, onde pode haver
responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano, vejamos:
a) Avaria Fortuita: é aquela
causada por força maior, a despeito de todas as precauções tomadas, por
exemplo, uma tempestade que causa dano ao navio ou à carga, neste caso o dano
sucedido fica a cargo particular da coisa ou do segurador que se tornou
responsável pela indenização. Neste conceito configura as fortunas do mar, ou
seja, caso fortuito ou força mar, por exemplo, as tempestades, as mudanças
forçadas de derrota (arribada), os abalroamentos, os encalhes, os naufrágios,
os incêndios, a ação das correntes oceânicas, os nevoeiros, etc.
b) Avaria culposa: é aquela
causada por negligência, imperícia ou imprudência.
c) Avaria dolosa: é o dano
ou despesa provocado "intencionalmente" e
"desnecessariamente".
As avarias são regulamentas por cada país,
entretanto devido ao Comércio Marítimo Internacional, as avarias comuns são
também interpretadas e discriminadas nas "Regras de York e Antuérpia,
1950", e adotadas universalmente.
Em toda ocorrência de avarias temos dois
resultados, aquelas que são de perda total ou parcial que deixam "salvados" , aqueles
bens que após o sinistro tem algum valor econômico, isto é, ficaram em estado
perfeito de reaproveitamento quando parcialmente destruídos ou danificados, o
que para qualquer das partes contratantes do seguro haverá interesse.
Temos uma classificação para as causas das avarias:
a) Endógenas: quando a causa
está na própria carga.
b) Exógenas: quando a causa é
exterior à mercadoria, por exemplo:
- antes do embarque;
- devidas à manipulação;
- devidas à embalagem inadequada;
- pela pressão ou atrito;
- pela temperatura, calor ou frio;
- por manchas, contaminação;
- por umidade ou condensação;
- por vício próprio ou oculto;
- pelos movimentos do navio no mar;
- pelas condições de estabilidade do navio;
- por ratos, vermes ou outros insetos;
- por furto ou roubo;
- por falta de ventilação ou de controle de
temperatura;
- outros.
4 – ETAPAS
DA APURAÇÃO DE UM SINISTRO
Apuração de danos: tem como
objetivo o levantamento da causa, descrição da natureza do fato que deu a
causa, e apuração das avarias.
Procedimentos de apuração de
responsabilidade e danos: Os acidentes e fatos da navegação, definidos em
lei específica, que geram avarias, serão apurados por meio de inquérito
administrativo instaurado pela autoridade marítima, para posterior julgamento
no Tribunal Marítimo.
Protesto Marítimo (CCB art. 509):
denominado processo testemunhável, é a prova da ocorrência da avaria, que
consiste em um relatório circunstanciado dos fatos do local onde ocorreu, seja
no mar, operando no porto, fundeado em quarentena, expondo os motivos da
determinação do Comandante, com base nos fundamentos da deliberação, após
reunião e decisão conjunta com os Oficiais presentes que assinaram a "Ata
de Deliberação".
Termo de Ocorrências ou Termo de
Suposição de Avaria:
aplica-se aos demais, ao contrário do protesto que se aplica aos casos de
grandes sinistros como tempestades, naufrágios, incêndio, abalroamento,
colisão, etc, ou quando estiverem envolvidas pessoas que não sejam o segurado
ou segurador.
Notificação do acidente causando
avarias: Devem
ser notificados o armador, a Seguradora, a Sociedade Classificadora do navio, o
Capitão dos Portos (no país) e o Consulado Brasileiro (em águas internacionais)
no porto mais próximo, onde deverá ser "ratificado" o
protesto.
Lavrar o Protesto no Diário de Bordo
ou Diário Náutico (CCB
art. 504): o assentamento deve ser feito pelos Oficiais, transcrevendo as
deliberações tomadas ou também aquelas que somente mais tarde poderão se
manifestar. É importante que os fatos reportados também coincidam com as
observações feitas no "Diário de Máquinas".
Carta Protesto: É um
instrumento (documento) que denuncia os danos ocorridos, faltas e avarias,
expediente previsto por lei, amparado pelo artigo 754 do Código Civil. O prazo
legal para o envio de carta protesto é de dez dias contados da data da
constatação da evidência do sinistro. A expedição da carta é extensiva, ao
transportador marítimo, ao armazém depositário portuário, terminais de cargas e
agentes de cargas, conforme o caso. Precisa ser enviada sob protocolo na cópia
do documento de protesto, por Aviso de Recebimento da empresa de Correios (AR),
ou através de Cartório de Registro de Títulos e Documentos.
Instituto
da Arbitragem:
Modernamente tem aplicação jurisdicional, quando não se consegue estipular a
natureza jurídica, devido às divergências doutrinárias, trazendo resultados
satisfatórios entre as partes para solucionar litígios envolvendo avarias, pois
se trata de um resultado comum de um "julgamento", onde
devem prevalecer os princípios do contraditório, imparcialidade, ampla defesa,
entre outros. O resultado seria uma "convenção" onde
um árbitro se manifestaria em comum acordo através de um laudo manifestando a
vontade destas.
5 - CONCLUSÃO
As avarias sempre estarão cobertas, sendo
natural quem assume as despesas recorrer contra aquele que lhe causou o dano,
indenizado pelas Seguradoras e pelos Clubes de P&I (Protection and
Indeminity). Qualquer que seja o caminho os prejuízos devem ser sempre
indenizáveis, por isso vistorias devem ser realizadas por peritos com
especialidade marítima, obter registros policiais, fotografias, filmagens, onde
serão feitas "apuração dos danos", e feita a "regulação
do sinistro", para futura "liquidação" e devido ressarcimento,
fases estas cobertas pelo Código Civil art. 779.
Em toda ocorrência de avarias, deve haver
sempre uma "Carta de Protesto" contra o causador da avaria, e
dependendo da gravidade e comprometimentos, comunicarem as autoridades
marítimas.
6 – BIBLIOGRAFIA
CONSULTADA
Código Comercial Brasileiro, Título XIII, Das
Avarias. Da Natureza e Classificação das Avarias, arts. 761 a 796.
Arte Naval, Maurílio da Fonseca, Capítulo
XIV, Das Convenções e regras internacionais, seção C, Acidentes Marítimos, 1960.
Programa de Responsabilidade Civil, Sergio
Cavalieri Filho, 2002.
Direito de Navegação (Marítima e Aérea),
Theophilo de Azeredo Santos, 1968.
Direito Marítimo, Femar, 2003.
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