ACIDENTES NO MAR
SEMPRE QUEREM COLOCAR
A CULPA NO TRABALHADOR DO MAR
Ao
longo da minha carreira, no passado, como profissional e hoje como observador das
amplas publicações e notícias apresentadas na mídia, relacionados à Marinha
Mercante, tenho observado que existem diversos posicionamentos, resultados de
reuniões das mais diversas envolvendo especialista de Órgãos Internacionais, e apresentados
relatórios de acidentes que sempre conduzem para a culpa dos acidentes no mar ao
erro humano.
Na visão geral
os resultados veem me surpreendendo, ou seja, os Marítimos em todos os países
que fornecem a mão de obra para tripular embarcações, o que modernamente no
nosso país é denominado de Aquaviário, é que vem sendo apontado como o causador
de tantos acidentes marítimos ao redor do Globo.
Nesse contexto,
a questão vem sendo a cada dia destacando nas estatísticas, mas contesto estas
afirmativas, pois a argumentação que é apresentada discorre ponto a ponto da
realidade, e desta forma vou apresentar o meu ponto de vista a seguir.
A conclusão da maioria desses relatórios parece-nos incongruente, quando se sabe
que o trabalhador do mar, e todo qualquer trabalhador, nunca executa um
trabalho com a sua inteira confiabilidade e conhecimento de que está operando
algum equipamento sem riscos, muitas vezes utiliza de equipamentos que são
fornecidos por terceiros, e por outro lado não consegue identificar falhas pela
própria blindagem do maquinário dos equipamentos, que o não facilita para uma
checagem.
O que ocorre é
que somente o fabricante pode dar um posicionamento técnico, o que foge do
alcance do operador, como exemplo no caso de um GPS, que está diretamente
dependente do sistema GMDSS, pode apresentar alterações na apresentação das
coordenadas geográfica, uma carta náutica sem correção adequada pode omitir um
baixo fundo, logo o operador vai ter que confiar, pois quando ele registra a
posição das coordenadas geográficas e traça um rumo na carta náutica, ele vai
ter que estar confiando no funcionamento desses equipamentos.
Ainda
assim, é importante observar que estudos vêm sendo direcionados para o elemento
humano, que é o fator que impulsiona o trabalhador e o conduz para que ocorra
um acidente, ou seja, é necessário que ele não somente tenha a capacidade para
atuar de forma eficaz e segura um equipamento, mas também que ele opere
determinado equipamento com a convicção de estar plenamente confiante, o que
nem sempre ocorre na prática por experiência própria.
As limitações
existem, como no exemplo acima, que opera estes equipamentos, poderá ser um
operador exímio de um GPS, conhecer todas as funções, mas como ele saberá que as
estações terrenas de satélite estarão transmitindo informações corretas para
ele, quem pode garantir que as correções enviadas e aplicadas na carta náutica
eletrônica (ENC) e cartas Raster encaminhadas via dowloading estavam corretas.
Esta é a grande
questão. Não podemos esquecer que equipamentos falham. Já existem casos e
possibilidades de Hacker – piratas cibernéticos atuando a bordo de embarcações.
É
imperativo esclarecer que evitar um acidente quando se trata de uma ação de
capacidade do operador, quando ele está sobre influência de alguma complexidade
ou mesmo dificuldade de operar algum equipamento, ou sofrendo pressão no
trabalho para executar as suas tarefas, ou mesmo tomar um procedimento como num
caso de emergência, que requer domínio e tranquilidade, tudo isso concordo que
pode ser evitado se porventura o profissional for preparado e treinado para
enfrentar estas situações, isto é, o que posso afirmar, que é trabalhar com o
elemento humano atuando dentro das suas capacidades, e não sob ações externas, das
quais não são do seu conhecimento como falhas desconhecidas.
Uma
ressalva faz-se necessária, pois as ações trabalhando com o elemento humano são
significativas frente a essas diversas situações, somente pode evitar acidentes
se o profissional tiver comportamentos para conduzir suas ações frente às
situações acima, como exemplo saber operar um radar debaixo de uma visibilidade
zero, ter passado por um aborrecimento ou uma falta disciplinar cometida, e
tantos outros fatores que influencia no seu comportamento.
Mas
o que vejo na prática é que sempre prevalecerá o lado econômico e político.
O
erro humano nem sempre é conduzido e avaliado por profissionais que tem o
interesse real ou que atue idoneamente, mas também por interesses e questões
políticas e econômicas, participei de várias análises de acidentes que quando
se apurava e chegava à causa raiz, e o resultado era dirigido para a empresa,
ou seja, erros cometidos ou por comprometimentos da atuação de seus gestores,
havia certa dificuldade dos responsáveis pela análise do acidente para apontar
a verdadeira causa que deu início para a ocorrência de acidente.
Resultados
apresentados dentro de políticas errôneas e que comprometiam fatores econômicos,
logo careciam de coragem para apresenta-las. O medo da perda de emprego fazia
com que alterassem suas verdadeiras causas.
Uma
falha de um gestor da empresa de navegação pode comprometer a credibilidade no
mercado tão competitivo, é mais fácil apontar que o trabalhador do mar foi quem
cometeu o erro.
Em
Navegação tem os seguros e aquilo que não é coberto pelos seguradores é
direcionado para os Clubes de P&I – Protection and Indemnity, ou seja, estes
clubes surgiram no século XIX e vieram para complementar a apólice comercial do
casco do navio, pois os seguradores não dão cobertura para alguns riscos
significativos que podem levar a acidentes.
O
mais interessante que a não cobertura total por partes dos seguros, é que levam
em consideração e alegam que podem dar margem para ações que levam a
negligências de tripulantes, e para isto surgiu o P&I, ou seja, aquilo que
o seguro não cobrir o gestor da empresa de navegação busca a cobertura no
clube.
O
que vejo que é uma forma e escape, e alimenta para que o erro humano seja
conduzido para a negligência do trabalhador do mar.
Isto
é uma observação importante a ser feita, pois o que vivenciei na prática, é que
quando o acidente foi gerado por uma falha por parte dos gestores das empresas de
navegação, busca-se direcioná-la para os tripulantes, para o elemento humano,
desta forma o erro humano dos gestores foge da causa raiz.
Eu
diria que o erro humano é desfigurado.
Classificar
os fatores de riscos, descrever pontos chaves que devem ser observados para
evitar acidentes, tudo o que tenho visto, não menciona as ações de
comprometimento dos gestores e nem das condições de tempestades, inundações, ou
seja, qualquer dano causado pela ação do mar.
Estas últimas
são exclusões nas apólices de seguros.
Outro aspecto
a ser colocado é quanto ao risco ambiental, pois hoje já existem cláusulas
acessórias para garantir a responsabilidade civil de riscos ambientais, que são
fatores externos e aquém da capacidade de proteção do trabalhador com a
embarcação.
Em
um caso de poluição, como já tive acesso a alguns relatos, se houver um derrame
de óleo de bordo, se a causa raiz for um equipamento que estava com falha por questões
de que o gestor da empresa de navegação não disponibilizou o reparo, nesse caso
alega-se que houve erro humano, foi uma falha operacional, como exemplo
menciona deixou uma válvula aberta, etc.
O
fator chave é maquiado, transvestido de veracidade, para que haja cobertura de
seguro, e quando não couber, parte para a cobertura do clube.
Alegar
que um tripulante desconhece informações e não estar preparado para atuar na
condução de uma embarcação, não estar consciente de suas ações, não estar
confiante em executar manobras ou operar equipamentos, não ter atitudes e
comportamentos requeridos para a função, violar normas e procedimentos
operacionais e internacionais, são as mais comuns que tenho observado nos
resultados de investigações, mas nunca vi descreverem que o radar não
funcionava na hora do acidente, pois o gestor postergou o reparo, o sistema de
cartas eletrônicas não estava corrigido por contenção de despesas, que o GPS
somente iria ser reparado no país de origem por questões de custos, e tantos
outros fatores que são omitidos e que descaracterizam que o erro humano, o que
na realidade nem sempre pode ser imputado ao trabalhador do mar, mas sim, por
questões de responsabilidade dos seus gestores.
Já li relatórios que se falava que não havia a bordo um trabalho em equipe, ou
seja, nem todos trabalhavam de forma eficaz para um objetivo de evitar
acidentes marítimos, ou mesmo que as equipes eram de culturas diferentes, isto
pode ocorrer, mas não acredito que possa dar origem a um erro humano, pois
todos estão no mesmo barco, um naufrágio é uma catástrofe todos lutarão pela
mesma forma de salvamento e sobrevivência, por isso é que existem as fainas de
salvatagem e treinamentos de abandono das embarcações.
Trabalho
no mar é estressante, não preciso destacar o porquê, navio sofre diversas
influências das ondas e embates de mar, existem trepidações, ruídos e tantos
outros comprometimentos que atuam na saúde do trabalhador, e o que sempre leva
a fadiga, mas é somente isto que se comentam em relatórios, para prevalecer o
erro humano do tripulante, mas esquecem de que as tripulações estão diminuindo
e sobrecarregando as diversas funções a bordo, um trabalhador que não dorme por
uma sequencia de manobras ficando acordado, as suas habilidades físicas,
psicológicas e psicossociais são comprometidas, o seu desempenho fica reduzido,
sua agilidade enfraquece e sua força cai, logo, o seu período de trabalho não é
compensado com as horas que tem para o descanso e sono.
Alegar que tem
compensação nas horas de rodizio em terra não traz o equilíbrio durante a sua
permanência no mar, já vi gestores alegando “você trabalha 30 dias embarcados e
fica o dobro em terra”, isto é uma alegação falsa e desumana, qualquer
tripulante precisa de interrupções e descansos nas suas horas de trabalho, o
que se apura com o rodízio é minimizar a sua fadiga, mas não interrompe-la
quando está embarcado, para que realmente haja o descanso físico, mental e psicossocial.
Nunca
ocorrerá uma compensação para a fadiga em trabalho embarcado, um Comandante
nunca vai suspender uma operação ou parar a máquina de uma embarcação para que
a sua tripulação venha descansar, se o fizer vai ser despedido.
Os Comandantes
não podem nem parar por minutos uma embarcação para ser feito um exercício de
homem ao mar, ou mesmo arriar uma baleeira para treinar a sua tripulação, se o
fizer será repreendido pelos seus gestores das empresas de navegação e até
despedido.
Vi diversas
vezes serem lançados nos diários de navegação termos de exercícios de fainas de
incêndio, abandono, colisão, etc. sem executarem o treinamento, somente para
cumprir regras e legislações, é uma verdade que está oculta e é preciso neste
momento relatar, isto é comprometimento com um sistema econômico e político
podre, arraizado de falcatruas, que deixa o tripulante exposto à mercê de risco
e sobrevivência.
Daí vem a
pergunta, mas por quê isto ocorre a meu ver é um ato criminoso, sempre relutei
contra estas atitudes, mas a meu ver poderia ocorrer não somente navegando, mas
em fundeios ou mesmo atracado sem estar operando, mas existe impossibilidade
criada pelas imposições das autoridades marítimas e portuárias de forma a
evitar contrabando, descaminho e outras infrações.
A verdade é que
para que a embarcação durante um fundeio, estadia longa no porto, quando se
poderia executar um treinamento, vem de encontro com as regras das autoridades marítimas
e portuárias, que não permitem, e se permitem tem que pedir com antecedência
através de seus agentes aos Órgãos Controladores que autorizem daí frente a
tantas dificuldades, o que acaba que os Comandantes desistem de realizar os
exercícios.
Esta é a
página do livro que precisa mudar, se é criado uma dificuldade em contrapartida
vai haver uma irregularidade.
Tudo que
ocorre sempre visa o lado econômico e político, por isso apurar
responsabilidades, apontar erros humanos, é muito fácil conforme mencionei
acima, o que na verdade não se cogita discriminar nos relatórios é que o
trabalhador do mar nem sempre é o causador de acidentes, a sua segurança sempre
estará em primeiro plano, mas nem sempre isto ocorrerá por pressões externas
que podem levar a ações que comprometem a segurança do seu desempenho na
operação das embarcações.
Alegações
de deficiência mental, física, o uso de drogas e álcool, problemas pessoais,
também ocorrem nos relatórios, o que acredito que pode ocorrer e dar causa a um
acidente, mas na atualidade existem tantos testes que podem ser realizados para
medir a capacidade, as empresa possuem assistentes sociais, médico, existem os
exames periódicos, existem exames de sangue e derivados que apontam se o
paciente é usuário de drogas, relatórios dos chefes de departamentos de
máquinas e convés discriminando o trabalho do dia-a-dia e a participação de
cada tripulante, onde todas estas anomalias podem ser detectadas, e se
ocorrerem pode ser repudiado, esses tripulantes que geram riscos para o sistema
de segurança a bordo podem e devem ser substituídos.
Finalizando
o que posso afirmar que o comportamento humano que leva ao erro humano nem
sempre é um desvio cometido por ele, a sua percepção e aceitação do risco pode
influenciar de maneira a fragilizar o seu espírito de prevenção, mas o que deve
ser avaliado numa investigação de acidente é também a fragilidade do sistema
com que ele vai operar e conduzir a embarcação.
Não
podemos ficar eternamente posicionando que fatores que atuam no comportamento
de um trabalhador do mar sejam somente de natureza emocional, ambiental,
biológico ou físico, que influencia na sua capacidade, que a meu ver é uma
fórmula cujos ingredientes são comprometimentos, conhecimentos técnicos e
profissionais, atitudes, habilidades, mas também com relação aos impactos e
circunstâncias que o levam a conduzir uma embarcação sem condições de segurança
por fatores econômicos e políticos, e o que o leva a não permitir que haja com um
desempenho de forma eficaz e segura.
Falar
que o trabalho no mar para ser realizado de forma segura, depende somente do
compromisso do Aquaviário – Marítimo, isto é uma vergonha em pleno século XXI,
o que é preciso mudar esta tendência maliciosa, os gestores também precisam
gerar políticas na organização de forma que os seus colaboradores possam
trabalhar de forma segura, para que se consiga evitar acidentes no mar.
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