quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

É POSSÍVEL CLAUSULAR O CONHECIMENTO DE EMBARQUE?

 

Conhecimento, Conhecimento de Frete, Conhecimento de Transporte e Conhecimento de Carga – Bill of Lading – B/L, palavras que tem o mesmo significado (Santos, 1968).

É chamado Conhecimento, porque existem cargas embarcadas a bordo, constituído de um Contrato de Transporte de Cargas a serem pactuadas entre os interessados armador, exportador, importador, fretador, agentes, ou seja, todos envolvidos de alguma forma na execução do contrato de fretamento.

Segundo a Lei nº 556, de 25 de junho de 1850, Código Comercial, parte segunda – Dos Conhecimentos, instrui no art. 575 os termos que devem ser declarados e datado, sendo que no item 2: a qualidade e a quantidade dos objetos da carga, suas marcas e números, anotados à margem. É importante observar neste artigo que a qualidade e quantidade são fundamentais para que a carga seja recebida integra, sem nenhuma falta ou avaria, o que resulta que é uma forma garantidora de que o Comandante pode clausular o B/L.

É o documento comprobatório que tem dupla natureza: primeiro é a prova do contrato de transporte, e segundo uma vez criado passa a valer como um título de crédito. Também é o documento que prova a propriedade da carga e prova do contrato de transporte (Gomes, 1978).

A legislação cambiária não define título de crédito, cabendo à doutrina a tarefa de elaborar o seu conceito. Assim, título de crédito é o documento capaz de realizar imediatamente o valor que representa (José Maria Whitaker). Este conceito é importante porque ressalta a função econômica do título de crédito, qual seja, a sua negociabilidade, consistente na mobilização imediata do seu valor, permitindo ao portador recebe-lo antes do vencimento mediante operação de desconto. (Rosa Jr., 2004).

A Lei nº 9.611/1998 dispõe sobre o Transporte Multimodal de Cargas, e no capítulo III, instrui sobre Contrato de Transporte, onde vamos observar no art. 8º que o Conhecimento de Transporte Multimodal de Cargas rege toda a operação de transporte desde o recebimento da carga até a sua entrega no destino, já no art. 9º instrui sobre a emissão do conhecimento e o recebimento da carga pelo Operador de Transporte Multimodal, o que dá a eficácia ao contrato de transporte multimodal. Neste artigo, parágrafos 1º e 2º visualizamos a responsabilidade que o Operador de Transporte Multimodal tem, pois deverá lançar ressalvas (remarks) caso esteja a carga inexata na sua descrição, ou mesmo se a carga ou a sua embalagem não estiverem em perfeitas condições físicas.

Quem são as partes responsáveis pela assinatura do B/L?

Juridicamente vinculadas temos o Shipper – Embarcador / Exportador, aquele que envia a carga para o destinatário; Consignee – Consignatário, aquele que recebe a carga no destino; Carrier – Armador é o transportador da carga até o destinatário; Notify Party – Parte Notificadora, é a pessoa que vai ser notificada sobre a chegada da carga.

Legalmente, considera-se que a emissão do conhecimento de carga, significa que o armador recebeu a carga para transportar ao seu destino, o que significa que é a primeira responsabilidade assumida pelo recebimento da carga, sendo que vai gerar um título de crédito ao ser embarcada, dentro de um contrato onde figura detalhes contratuais.

Se uma carga chega ao costado para o embarque com avarias ou faltas, o exportador / fretador muitas vezes pressionará o armador / transportador para emitir um conhecimento de embarque limpo, o que é uma necessidade para liberar a carta de crédito, pois o banco é restritivo nesse aspecto.

Um conhecimento de embarque limpo é um documento que declara que a carga embarcada não continha danos e faltas.

Numa situação dessa teremos três interessados em solucionar a questão que são: exportador, transportador e recebedor, porem o conhecimento é um contrato, documento legal, entre o exportador e o transportador, os quais assinarão o conhecimento, e que deve explicitar as condições da carga embarcada, e se houver carga avariada ou faltando o importador sairá com prejuízo, se souber a tempo, poderá recusar, pois ele não terá fundos do banco, pois emitiu uma carta de crédito, e o banco é restrito e só aceita B/L limpo.

Muitas situações ocorrem entre as partes envolvidas, o que surge um caminho

 Na prática que vejo, o que para cumprir os requisitos da carta de crédito, a solução será emissão de uma LOI – Letter of Indeminity.

Quase sempre o exportador / fretador vai propor a emissão de uma LOI – Letter of Indeminity – Carta de Indenização, em favor do armador / transportador.

O Comandante pode rejeitar em emitir conhecimento limpo, pois conforme visto acima o comandante tem o direito de recusar. Se a carga chegar com avarias ou falta frente a um conhecimento limpo a responsabilidade sempre será do armador – transportador, logo o recebedor terá o direito de fazer uma reclamação – claims, contra o navio.

O Conhecimento é o documento legal firmado entre o exportador e o transportador, no qual está declarado e detalhado o tipo, quantidade e destino da mercadoria, entre outros.

Nesta transação comercial vamos ter um outro documento que é o Mate’s Receipt – Recibo de Carga, que nada mais é do que o documento que comprova que a carga embarcou e suas condições. Este documento é a prova como a carga chegou e embarcou.

Quando ocorre que o emissor do Conhecimento atende as anotações divergentes que o Imediato realiza ao fazer as Ressalvas – Remarks, ao receber a carga, dizemos então que o Conhecimento poderá ser clausulado sem emissão de LOI. A LOI é um documento onde o exportador atesta / compromete indenização contra qualquer reclamação por danos feitas pelo importador de carga no porto de descarga.

No primeiro momento de uma análise, a oferta de uma LOI pelo exportador parece uma solução viável, não ocorrem riscos para o Armador / Transportador, porém por questões contratuais, poderão surgir consequências, vejamos: a) será que o exportador vai efetivamente cumprir com a sua oferta / proposta, pois os custos poderão ser altos, existem casos que a carga tem que retornar à origem do embarque, no caso do exemplo abaixo, a seguir, poderíamos citar o caso do telescopiamento das bobinas, onde são necessários máquinas apropriadas para a correção. b) Como o conhecimento não foi clausulado conforme o recibo de carga, poderia ser configurado uma fraude, o que o contrato passa a ser ilegal, e portanto inexequível por lei, podendo gerar processo judiciário com indenizações por não cumprimento contratual, o que pode ocorrer no caso de recusar a cumprir a liquidação da reclamação (claim). c) Trata de uma empreitada insegura, caso não consiga uma garantia bancária para cobrir as indenizações, por conseguinte os clubs de P&I não dão suporte nesses procedimentos, ou seja, cobertura de responsabilidade, no caso do exportador não honrar no cumprimento da LOI. d) Outra situação dependendo das condições de venda da mercadoria, o que num contrato apresenta cláusula que o Comandante assine os B/L conforme apresentados – Clean B/L, por ser uma questão sui generis normalmente consta em cláusula de indenização no Charter Party, para o caso se ocorrerem indenizações mais onerosas, nesse caso o Comandante não é obrigado a assinar, se o fizer estará prejudicando seu armador, e dificilmente conseguirá na justiça uma defesa consistente que o abone de responsabilidade.

O que é clausular um Conhecimento de Embarque? É a ação de inserir por escrito ressalvas - remarks – observações no Conhecimento de Embarque, especificando as condições (qualidade e/ou qualidade) recebida no costado antes do embarque, ou seja, o estado da carga e a quantidade a ser embarcada.

Desta forma dizemos que o Conhecimento não forneceu a entrega da carga conforme pactuado no contrato.

Por ser um título de crédito é um documento legal que dá a garantia do recebimento, transporte, entrega, do início ao fim da aventura marítima.

Havendo alguma divergência na entrega que gerou o clausulamento, é sinal que houve falta, avaria, ou outras anomalias, ou seja, clausulado ele estará desviado das suas especificações discriminadas no M. Receipt, daí vem a expressão CONHECIMENTO DE EMBARQUE SUJO – Dirty Bill of Lading.

A grande preocupação é que um Conhecimento Sujo pode gerar uma perda financeira para o exportador, pois a carga está desviada das especificações de entrega, fugindo da qualidade esperada estabelecida, logo torna sua principal responsabilidade evitar que exista alguma cláusula a ser inserida no Conhecimento.

Um exemplo comum ocorre com embarques de produtos siderúrgicos, como exemplo num embarque de 200 Bobinas de Aço a Quente – Hot Rolled Steel Coils, quando a carga ofertada estava integra, sem nenhuma anomalia, é direcionada para o porto de embarque e fica exposta ao salitre do mar, e passa por diversas manipulações na logística desde a Siderúrgica até ao embarque, logo ganha vestígios de ferrugem, e ocorrem diversas quebras de fitas de aço de amarração, e nesse caso ao receber a carga o Imediato lançou a observação – Remarks: Coils rusty, and number of 15 steel straps missing, 20 broken and 34 loosen, 15 coils with telescoping effects.

Nota-se que a partida de bobinas apresentou na chegada uma série de avarias, logo sujeito o recibo de bordo a remarks – ressalvas.

É um momento que gera conflito, será que vai sujar o Conhecimento, é a primeira pergunta que fica?

O Comandante e o Imediato agiram corretamente, é um direito do transportador clausular o conhecimento para salvaguardar de ações (claims) de faltas e avarias, que vão ser apuradas no ato da entrega do porto de destino, por parte dos recebedores.

Este ato de clausular o Conhecimento através da emissão do recibo de bordo demonstra que houveram avarias das mercadorias antes do embarque, ou seja, antes da custódia de bordo.

Segundo o Decreto nº 64.387 de 22 de abril de 1969, que regula o Decreto-Lei nº 116, de 25 de janeiro de 1967, o artigo 4º, instrui: As mercadorias serão entregues ao navio ou embarcação transportadora contra recibo passado pelo armador ou seu preposto: §1º: Os recibos serão passados em uma das vias não negociáveis do conhecimento de transporte, o qual conterá espaço próprio para as anotações dos embarques parciais e ressalvas quanto à falta ou avaria da carga e sua embalagem.

É importante observar que o dever de indenizar no caso do não cumprimento desta observação é contratual e objetivo.

Caso o navio não faça o remark – anotação da avaria, o armador poderá ser penalizado, bem como o Clube de P & I, pois compete ao navio emitir um Conhecimento de Embarque com as condições da carga embarcada, o que na prática isto não ocorre, existem acordos que inclinam para que sejam emitidos Conhecimentos de Carga limpos – Clean Bill of Lading, pois o exportador deverá ou poderá enfrentar dificuldades para receber o pagamento do frete junto ao banco.

O grande problema é que na dinâmica de uma exportação, os recebedores utilizam cartas de crédito para pagamento, sendo que os bancos podem recusar a aceitar qualquer clausulamento feito no B/L.

Quando um Conhecimento de Embarque possui clausulamento, indica que houve falta ou dano à mercadoria embarcada, ou seja, significa que a mercadoria não foi entregue conforme o contrato inicial celebrado na venda da mercadoria.

Outro aspecto é que o B/L é um documento negociável, bem como permite que a carga seja vendida pelo exportador durante a viagem, o que por outro lado, é um elemento teoricamente seguro, integrante no contrato de venda, o que fica associado ao pagamento seguro por meio de uma carta de crédito – LOC – Letter of Credit, emitida por um banco.

Ocorrem sempre casos que aos serem clausulados os Conhecimentos, ou seja, quando o Imediato lança as anotações no Recibo de Bordo, o Comandante e o Armador é pressionado pelos exportadores ou afretadores, ou ambos, a emitirem o B/L limpo, e nesse caso normalmente o Comandante é orientado a lançar o remark – anotação: aparente bom estado e ordem - apparent good order and condition. Normalmente esta anotação contraria instruções de empresa seguradoras e clubes de P&I.

A Câmara de Comércio Internacional instrui em UCP 500 – Costumes e Práticas Uniformes para Créditos Documentários (revisão 1993), onde define no art. 32 – Documentos de Transporte limpos:

a. Um documento de transporte limpo é aquele que não contém nenhuma cláusula ou notação que declare expressamente um defeito

estado das mercadorias e/ou da embalagem.

b. Os bancos não aceitarão documentos de transporte que contenham tais cláusulas ou anotações, a menos que o Crédito expressamente estipula as cláusulas ou notações que podem ser aceitas.

c. Os bancos considerarão a exigência de um crédito para que um documento de transporte contenha a cláusula "limpo a bordo" como

cumprido se esse documento de transporte atender aos requisitos deste Artigo e dos Artigos 23, 24, 25, 26,

27, 28 ou 30

 

O que ocorre é que na prática o Comandante emite uma Carta autorizando o Agente a assinar o Conhecimento – Authority to sign Bills of Lading on Mate’s behalf, como exemplo vejamos um trecho: I hereby authorise you to sign on may behalf Bill(s) on Lading for cargo actually loaded on board this vessel at this port only, and during the presente call only.

Trata-se de uma prática que gera risco, se os emissores do B/L não clausularem quanto as ressalvas, conforme o Comandante emitiu ressalvas no  Recibo de bordo, fica a pergunta no caso de uma disputa quem será o responsável? Primeiramente temos que analisar que numa eventual responsabilidade contratual como representante do exportador, nesse caso exige que o Agente tenha autoridade para receber a Carta do Comando, ou seja, se responsabilizar perante ao Comando para instruir sobre o clausulamento do B/L. Em outra perspectiva será que o Agente foi autorizado a incumbir de levar a Carta do Comandante com cópia do recibo de bordo com ressalvas para a emissão do Conhecimento de Carga?

Quando o agente marítimo não atua exclusivamente e se for operadora portuária, responsável pela carga e serviços conexos, tem a obrigação de agir de forma lícita, pois participa da atividade econômica relativa aos serviços, logo entendo que o responsável é o Exportador, que autoriza o Agente de alguma forma a agir em seu nome, pois no caso de uma indenização o importador lesado não vai isentar o Agente que foi a pessoa que cometeu o ato ilícito de não cumprir com a ordem passada pelo Comando. Caso o exportador tenha agido contrariamente à Carta de Autorização para Assinatura de B/L com cláusulas de avarias ou faltas, recebida pelo seu Agente e endereçada ao exportador para os devidos trâmites de pagamento do frete, agindo de forma contrária a conduta ilícita de assinar o B/L clausulado, então assumirá a responsabilidade perante a Justiça.

Vejamos alguns exemplos de Jurisprudências que instrui sobre responsabilidades:

1º) Processo AgInt – REsp 1916046/SP - Quarta Turma STJ:

2. O agente marítimo, ou seja, mandatário mercantil, não possui legitimidade ativa para cobrar o demurrage, ao contrário do armador sem navio, que ostentaria essa posição jurídica.

2º) Processo AgInt – REsp 1817949/PR – Primeira Turma STJ:

2. A jurisprudência desta Corte firmou o entendimento segundo o qual o agente marítimo não deve ser responsabilizado por infrações administrativas cometida pela inobservância de dever legal imposto ao armador, proprietário da embarcação.

3º) Processo AgInt – REsp 20118955/RS – Segunda Turma STJ:

2. A discussão na presente lide refere-se ao descumprimento da norma aduaneira que estabelece a obrigação acessória do transportador/agente de cargas/operador portuário de prestar as informações de que trata o art. 37, caput e § 1º, do Decreto-Lei 37/1966, com redação dada pela Lei 10.833/2003.
3. Havendo a Corte de origem reconhecido que a parte recorrente não atua exclusivamente como agente marítimo, já que representa o transportador estrangeiro e é operadora portuária, responsável pela desconsolidação da carga e serviços conexos e, portanto, está obrigada a prestar as informações necessárias ao controle de carga aquaviária, não se pode rever tal entendimento, com o objetivo de afastar a responsabilidade da Recorrente, sem o necessário reexame do contrato social e do acervo fático-probatório dos autos, providência inviável no âmbito do Recurso Especial, à luz dos óbices contidos nas Súmulas 5 e 7 do STJ.

4º) Processo AgInt – REsp 2054882/SP – Terceira Turma STJ:

2. Nos termos da jurisprudência desta Corte, “o agente marítimo, como mandatário mercantil do armador (mandante e proprietário da embarcação), não pode ser responsabilizado pelos danos causados por atos realizados a mando daquele, quando nos limites do mandato” (AgInt no RESP 1.578.198/SP, Primeira Turma, DJe de 14/8/2020).

O Agente ficando responsável a intervir junto às partes quanto a aceitabilidade, para isto no contrato estarão expressamente mencionadas, pois a carta de crédito tem que estar rigorosamente cumprida, onde caberão discutir acordos ou mesmo celebrar acordos pois os bancos avaliam e agregam valores aos documentos.

Finalizando temos duas situações a serem discutidas e pactuadas: primeiro o Comandante tem o dever de clausular o Conhecimento de Embarque, através das ressalvas no recibo de bordo, quando notar qualquer anomalia na carga a ser transportada, e em segundo plano competirá por questões comerciais os exportadores em conjunto com o Agente que se responsabilizou perante ao Comando de apresentarem soluções junto ao banco em apresentar conhecimento sem ressalvas.

Bibliografia

GOMES, Carlos Rubens Caminha, Direito Comercial Marítimo, 3R Editora Rio, 1978, Rio de Janeiro.

ROSA JR., Luiz Emygdio Franco da, Títulos de Créditos, Renovar, 2004, Rio de Janeiro.

SANTOS, Theophilo de Azeredo, Direito da Navegação, Forense, 1968, Rio de Janeiro.

https://iccwbo.org/ - UCP 500 – 15/02/2024

http://www.planalto.gov.br/ - Legislação – 15/02/2024

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