terça-feira, 26 de março de 2024

NATUREZA JURÍDICA DO NAVIO

 A natureza jurídica do navio não tem sido tratada de maneira uniforme, dividindo-se as opiniões (Santos, 1968):

1º) O Código Civil, em seu art. 82, declara que “são bens móveis” os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social. (Diniz, 2002)

Esta é a primeira opinião, o navio deve ser entendido como bem móvel através da interpretação do art. 82 do CC.

A Lei 9537/1997 em seu art. 2º, inciso V, dispõe: Embarcação - qualquer construção, inclusive as plataformas flutuantes e, quando rebocadas, as fixas sujeitam a inscrição na autoridade marítima e suscetível de se locomover na água, por meios próprios ou não, transportando pessoas ou cargas. (Gov.br, 2024)

Segundo Accioly, no seu Manual, aos descrever sobre Navios em Domínio Estrangeiro, instrui que (...) navios privados são meros bens móveis, que, em país estrangeiro, gozam apenas de assistência e proteção devidas pelo Estado aos seus nacionais (...).

2º) O navio está sujeito a regime jurídico criado por lei específica para os bens imóveis, vejamos: O navio está sujeito a hipoteca, segundo o art. 1.473, inciso VI, e § único, do CC a hipoteca dos navios reger-se-á pelo exposto em lei especial. Na Lei 7.652, de 3 de fevereiro de 1988, que dispõe sobre o registro da Propriedade Marítima, temos no art. 13: A hipoteca ou outro gravame poderão ser constituídos em favor do construtor ou financiador, mesmo na fase de construção, qualquer que seja a arqueação bruta da embarcação, devendo, neste caso, constar do instrumento o nome do construtor, o número do casco, a especificação do material e seus dados característicos e, quando for o caso, o nome do financiador. (Gov.br, 2024)

3º) O navio é considerado bem móvel sui generis, por causa de seu alto valor, submetem-se ao regime de bens imóveis, mas não deixam de serem considerados bens móveis, pois necessita de prova de propriedade o que se realiza com a sua inscrição no Tribunal Marítimo, bem como identificação do domicilio através do porto de sua matrícula inscrição (Lei nº 7.652, de 3 de fevereiro de 1988, art. 15: É obrigatório o registro no Tribunal Marítimo de armador de embarcação mercante sujeita a registro de propriedade, mesmo quando a atividade for exercida pelo proprietário, tem impossibilidade de transferência por tradição segundo o art. 4: (...) a transmissão de sua propriedade só se consolida pelo registro no Tribunal Marítimo ou, para aquelas não sujeitas a esta exigência, pela inscrição na Capitania dos Portos ou órgão subordinado. Já no Código Comercial Marítimo no art. 478 dispõe: Ainda que as embarcações sejam reputadas bens móveis, contudo, nas vendas judiciais, se guardarão as regras que as leis prescrevem para as arrematações dos bens de raiz (...) (Gov.br, 2024)

Acima verificamos que segundo as correntes o navio por sua natureza é considerado móvel, primeira interpretação porque é movido pela sua propulsão própria ou por força alheia, e segunda interpretação o navio se locomove de um porto para outro.

Segundo jurisprudência do STJ - REsp 1054144 / RJ - RECURSO ESPECIAL - 2008/0097797-8 – RELATORA: Ministra DENISE ARRUDA (1126) - ÓRGÃO JULGADOR - T1 - PRIMEIRA TURMA - DATA DO JULGAMENTO - 17/11/2009 - DATA DA PUBLICAÇÃO/FONTE - DJe 09/12/2009

2. No que se refere à primeira espécie afretamento a caso nu, na qual se cede apenas o uso da embarcação, a Segunda Turma/STJ, ao apreciar o REsp 792.444/RJ (Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 26.9.2007), entendeu que "para efeitos tributários, os navios devem ser considerados como bens móveis, sob pena de desvirtuarem-se institutos de Direito Privado, (...) (STJ, 2024)

No Código Comercial Marítimo, art. 478 dispõe: Art. 478 - Ainda que as embarcações sejam reputadas bens móveis, contudo, nas vendas judiciais, se guardarão as regras que as leis prescrevem para as arrematações dos bens de raiz; devendo as ditas vendas, além da afixação dos editais nos lugares públicos, e particularmente nas praças do comércio, ser publicadas por três anúncios insertos, com o intervalo de 8 (oito) dias, nos jornais do lugar, que habitualmente publicarem anúncios, e, não os havendo, nos do lugar mais vizinho. (CC, 1977)

Segundo Theophilo nas vendas judiciais de navios, são guardadas as regras que as leis prescrevem para as arrematações dos bens de raiz, conforme Decreto nº 737, de 25 de novembro de 1850, que Determina a ordem do Juízo no Processo Commercial, dispõe em seu art. 512: A penhora pode ser feita em quaisquer bens do executado, guardada a ordem seguinte: §4º: Bens de raiz ou imóveis. Entre os imóveis compreendem-se as embarcações (art. 478 Código Comercial Marítimo).

Salienta ainda que só possa ser validamente alienada por escritura pública no qual se deve inserir o teor do seu registro (art. 468 Código Comercial Marítimo).

No art. 468, instrui: As alienações ou hipotecas de embarcações brasileiras destinadas à navegação do alto-mar, só podem fazer-se por escritura pública, na qual se deverá inserir o teor do seu registro, com todas as anotações que neles houver. (...)

Devido a essa posição especial que assume o navio no cenário jurídico brasileiro, tem levado aos operadores do direito e escritores a considerá-lo coisa móvel sui generis.

Chega-se desta forma a interpretação com base acima que o navio é um bem móvel, que se sujeita ao regime jurídico de bem imóveis, quando há previsão legal, dentre estas aplicações temos a prova de propriedade mediante registro marítimo, Lei 9.774/98, e a transferência de propriedade tema inserido na Lei 7.652/88, bem com nos casos de venda judicial (Código Comercial Marítimo).

Por analogia a um automóvel temos:

Regra de trânsito tem o Código de Trânsito, para o automóvel, o navio também possui regras para a navegação, é o caso do RIPEAM – Regulamento Internacional para Evitar Abalroamento no Mar.

Certificado de Registro do Veículo, para o automóvel, o navio possui o Registro de Propriedade Marítima e o Registro de Transferência de Propriedade Marítima.

Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo, para o automóvel, o navio possui obrigatoriamente Certificado de Segurança da Navegação, que são emitidas após Vistorias de condições pelas autoridades marítimas.

Seguro obrigatório DPVAT, para o automóvel, o navio possui DPEM seguro obrigatório que é renovado anualmente.

Carteira Nacional a de Habilitação, pelos seus condutores, que deve ser renovada periodicamente de acordo com a idade e categoria, o navio é obrigatório cumprir as regras da Convenção STCW/1978, promulgado pelo Decreto nº 89.822/1984, sobre obrigatoriedade de habilitação com certificado de competência de acordo com cada categoria de tripulante que vai conduzir cada tipo de embarcação (navio). (Gov.br, 2024)

Segundo a Lei nº 9537/1997, em seu art. 7º dispõe: Os Aquaviários devem possuir o nível de habilitação estabelecido pela autoridade marítima para o exercício de cargos e funções a bordo das embarcações. (Gov.br, 2024)

Em consulta no exterior existe também a interpretação de que o navio é um bem móvel, vejamos:

Observa-se que no exterior o navio também é considerado “móvel”, vejamos texto do Site (https://www.europe-eje.eu/en/fiche-thematique/note-5-attachement-immovable-property-1) - Execution Judiciare em Europe – European Judicial Enforcement, título E-note 5 – The attachment of immovable property, onde no trecho do texto nos informa:

Ships and aircrafts are movable. Registered ships and aircrafts have in common with immovable property that it concerns registered property.(...)

Tradução livre: Navios e aeronaves são móveis. Os navios e aeronaves registrados têm em comum com os bens imóveis o fato de se tratarem de bens registrados.(...)

Com todas estas explicações acima, fico com a interpretação de Santos, de que temos que considerá-lo bem móvel, em face da sua classificação imposta pelo Código Civil, que só reconhece quatro categorias de bens imóveis: por natureza, por acessão física artificial, acessão intelectual e por determinação de lei, salvo quando o navio estiver em dique seco como explicação a seguir.

Quando o navio passa a ser um bem imóvel?

Com base na Lei 9.357/97 (Gov.br, 2024) que dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário (LESTA) e sua regulamentação pelo Decreto 2.596/98 (RLESTA) (Gov.br, 2024), existe a NORMAN 02 – Normas da Autoridade Marítima para Embarcações Empregadas na Navegação Interior, que nos conduz para um momento em que o navio passa a ser um bem imóvel, é por ocasião de vistoria obrigatória, ou seja, os navios seguem um planejamento de renovação de certificados de classe, renovação de certificados estatutários das autoridades marítimas, algumas são realizadas com ele flutuando, em operação normal, nestes casos são as anuais e intermediárias, entretanto para a vistoria de renovação de classe, a docagem a seco é obrigatória e neste caso o navio sai de operações e entra num dique seco, ou mesmo num caso de avaria de casco, quando é necessário algum reparo do seu casco, ou alguma alteração no casco (exemplo jumborização) ou sua estrutura, nestas situações saindo de operação normal, ele passa a ser um bem imóvel. Entendo que encaixa na mesma situação de um edifício, logo classifico como imóvel por acessão física artificial. Possui intervalo de 5 anos para que ocorra esta operação de dique seco.

Referências:

ACCIOLY, Hildebrando, Manual de Direito Internacional Público, Edição Saraiva, 5ª edição, São Paulo, 1961

OLIVEIRA, Juarez de, ACQUAVIVA, Marcus Claudio, Código Comercial Brasileiro, Saraiva, 21ª edição, 1977.

DINIZ, Maria Helena, Código Civil Anotado, Editora Saraiva, 9ª edição, São Paulo, 2003

SANTOS, Theophilo de A.– Direito da Navegação – Forense – 2ª edição, Rio, 1968

https://www.europe-eje.eu

https://www.planalto.gov.br/

https://www.stj.jus.br/

 

 

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