A natureza jurídica do navio não tem sido tratada de maneira uniforme, dividindo-se as opiniões (Santos, 1968):
1º) O Código Civil, em seu
art. 82, declara que “são bens móveis” os bens suscetíveis de movimento
próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da
destinação econômico-social. (Diniz, 2002)
Esta é a primeira opinião, o
navio deve ser entendido como bem móvel através da interpretação do art. 82 do
CC.
A Lei 9537/1997 em seu art.
2º, inciso V, dispõe: Embarcação - qualquer construção, inclusive as
plataformas flutuantes e, quando rebocadas, as fixas sujeitam a inscrição na
autoridade marítima e suscetível de se locomover na água, por meios próprios ou
não, transportando pessoas ou cargas. (Gov.br, 2024)
Segundo Accioly, no seu
Manual, aos descrever sobre Navios em Domínio Estrangeiro, instrui que (...) navios
privados são meros bens móveis, que, em país estrangeiro, gozam apenas de
assistência e proteção devidas pelo Estado aos seus nacionais (...).
2º) O navio está sujeito a
regime jurídico criado por lei específica para os bens imóveis, vejamos: O
navio está sujeito a hipoteca, segundo o art. 1.473, inciso VI, e § único, do
CC a hipoteca dos navios reger-se-á pelo exposto em lei especial. Na Lei 7.652,
de 3 de fevereiro de 1988, que dispõe sobre o registro da Propriedade Marítima,
temos no art. 13: A hipoteca ou outro gravame poderão ser constituídos em favor
do construtor ou financiador, mesmo na fase de construção, qualquer que seja a
arqueação bruta da embarcação, devendo, neste caso, constar do instrumento o
nome do construtor, o número do casco, a especificação do material e seus dados
característicos e, quando for o caso, o nome do financiador. (Gov.br, 2024)
3º) O navio é considerado bem
móvel sui generis, por causa de seu alto valor, submetem-se ao regime de bens
imóveis, mas não deixam de serem considerados bens móveis, pois necessita de
prova de propriedade o que se realiza com a sua inscrição no Tribunal Marítimo,
bem como identificação do domicilio através do porto de sua matrícula inscrição
(Lei nº 7.652, de 3 de fevereiro de 1988, art. 15: É obrigatório o registro no
Tribunal Marítimo de armador de embarcação mercante sujeita a registro de
propriedade, mesmo quando a atividade for exercida pelo proprietário, tem
impossibilidade de transferência por tradição segundo o art. 4: (...) a
transmissão de sua propriedade só se consolida pelo registro no Tribunal
Marítimo ou, para aquelas não sujeitas a esta exigência, pela inscrição na
Capitania dos Portos ou órgão subordinado. Já no Código Comercial Marítimo no
art. 478 dispõe: Ainda que as embarcações sejam reputadas bens móveis, contudo,
nas vendas judiciais, se guardarão as regras que as leis prescrevem para as
arrematações dos bens de raiz (...) (Gov.br, 2024)
Acima verificamos que
segundo as correntes o navio por sua natureza é considerado móvel, primeira
interpretação porque é movido pela sua propulsão própria ou por força alheia, e
segunda interpretação o navio se locomove de um porto para outro.
Segundo jurisprudência do
STJ - REsp 1054144 / RJ - RECURSO ESPECIAL - 2008/0097797-8 – RELATORA: Ministra
DENISE ARRUDA (1126) - ÓRGÃO JULGADOR - T1 - PRIMEIRA TURMA - DATA DO
JULGAMENTO - 17/11/2009 - DATA DA PUBLICAÇÃO/FONTE - DJe 09/12/2009
2. No que se refere à
primeira espécie afretamento a caso nu, na qual se cede apenas o uso da
embarcação, a Segunda Turma/STJ, ao apreciar o REsp 792.444/RJ (Rel. Min.
Eliana Calmon, DJ de 26.9.2007), entendeu que "para efeitos tributários,
os navios devem ser considerados como bens móveis, sob pena
de desvirtuarem-se institutos de Direito Privado, (...) (STJ, 2024)
No Código Comercial
Marítimo, art. 478 dispõe: Art. 478 - Ainda que as embarcações sejam reputadas bens
móveis, contudo, nas vendas judiciais, se guardarão as regras que as leis
prescrevem para as arrematações dos bens de raiz; devendo as ditas vendas, além
da afixação dos editais nos lugares públicos, e particularmente nas praças do
comércio, ser publicadas por três anúncios insertos, com o intervalo de 8
(oito) dias, nos jornais do lugar, que habitualmente publicarem anúncios, e,
não os havendo, nos do lugar mais vizinho. (CC, 1977)
Segundo Theophilo nas vendas
judiciais de navios, são guardadas as regras que as leis prescrevem para as
arrematações dos bens de raiz, conforme Decreto nº 737, de 25 de novembro de
1850, que Determina a ordem do Juízo no Processo Commercial, dispõe em seu art.
512: A penhora pode ser feita em quaisquer bens do executado, guardada a
ordem seguinte: §4º: Bens de raiz ou imóveis. Entre os imóveis compreendem-se
as embarcações (art. 478 Código Comercial Marítimo).
Salienta ainda que só possa
ser validamente alienada por escritura pública no qual se deve inserir o teor
do seu registro (art. 468 Código Comercial Marítimo).
No art. 468, instrui: As
alienações ou hipotecas de embarcações brasileiras destinadas à navegação do
alto-mar, só podem fazer-se por escritura pública, na qual se deverá inserir o
teor do seu registro, com todas as anotações que neles houver. (...)
Devido a essa posição
especial que assume o navio no cenário jurídico brasileiro, tem levado aos
operadores do direito e escritores a considerá-lo coisa móvel sui generis.
Chega-se desta forma a
interpretação com base acima que o navio é um bem móvel, que se sujeita ao
regime jurídico de bem imóveis, quando há previsão legal, dentre estas
aplicações temos a prova de propriedade mediante registro marítimo, Lei
9.774/98, e a transferência de propriedade tema inserido na Lei 7.652/88, bem
com nos casos de venda judicial (Código Comercial Marítimo).
Por analogia a um automóvel
temos:
Regra de trânsito tem o
Código de Trânsito, para o automóvel, o navio também possui regras para a
navegação, é o caso do RIPEAM – Regulamento Internacional para Evitar
Abalroamento no Mar.
Certificado de Registro do
Veículo, para o automóvel, o navio possui o Registro de Propriedade Marítima e
o Registro de Transferência de Propriedade Marítima.
Certificado de Registro e
Licenciamento de Veículo, para o automóvel, o navio possui obrigatoriamente
Certificado de Segurança da Navegação, que são emitidas após Vistorias de
condições pelas autoridades marítimas.
Seguro obrigatório DPVAT,
para o automóvel, o navio possui DPEM seguro obrigatório que é renovado
anualmente.
Carteira Nacional a de
Habilitação, pelos seus condutores, que deve ser renovada periodicamente de
acordo com a idade e categoria, o navio é obrigatório cumprir as regras da
Convenção STCW/1978, promulgado pelo Decreto nº 89.822/1984, sobre
obrigatoriedade de habilitação com certificado de competência de acordo com cada
categoria de tripulante que vai conduzir cada tipo de embarcação (navio).
(Gov.br, 2024)
Segundo a Lei nº 9537/1997,
em seu art. 7º dispõe: Os Aquaviários devem possuir o nível de habilitação
estabelecido pela autoridade marítima para o exercício de cargos e funções a
bordo das embarcações. (Gov.br, 2024)
Em consulta no exterior
existe também a interpretação de que o navio é um bem móvel, vejamos:
Observa-se que no exterior o
navio também é considerado “móvel”, vejamos texto do Site (https://www.europe-eje.eu/en/fiche-thematique/note-5-attachement-immovable-property-1)
- Execution Judiciare em Europe – European Judicial Enforcement, título E-note
5 – The attachment of immovable property, onde no trecho do texto nos informa:
Ships and aircrafts are
movable. Registered ships and aircrafts have in common with immovable property
that it concerns registered property.(...)
Tradução livre: Navios e
aeronaves são móveis. Os navios e aeronaves registrados têm em comum com os
bens imóveis o fato de se tratarem de bens registrados.(...)
Com todas estas explicações
acima, fico com a interpretação de Santos, de que temos que considerá-lo bem
móvel, em face da sua classificação imposta pelo Código Civil, que só reconhece
quatro categorias de bens imóveis: por natureza, por acessão física artificial,
acessão intelectual e por determinação de lei, salvo quando o navio estiver em
dique seco como explicação a seguir.
Quando o navio passa a ser
um bem imóvel?
Com base na Lei 9.357/97
(Gov.br, 2024) que dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário (LESTA) e sua
regulamentação pelo Decreto 2.596/98 (RLESTA) (Gov.br, 2024), existe a NORMAN
02 – Normas da Autoridade Marítima para Embarcações Empregadas na Navegação Interior,
que nos conduz para um momento em que o navio passa a ser um bem imóvel, é por
ocasião de vistoria obrigatória, ou seja, os navios seguem um planejamento de
renovação de certificados de classe, renovação de certificados estatutários das
autoridades marítimas, algumas são realizadas com ele flutuando, em operação
normal, nestes casos são as anuais e intermediárias, entretanto para a vistoria
de renovação de classe, a docagem a seco é obrigatória e neste caso o navio sai
de operações e entra num dique seco, ou mesmo num caso de avaria de casco,
quando é necessário algum reparo do seu casco, ou alguma alteração no casco
(exemplo jumborização) ou sua estrutura, nestas situações saindo de operação
normal, ele passa a ser um bem imóvel. Entendo que encaixa na mesma situação de
um edifício, logo classifico como imóvel por acessão física artificial. Possui
intervalo de 5 anos para que ocorra esta operação de dique seco.
Referências:
ACCIOLY, Hildebrando, Manual
de Direito Internacional Público, Edição Saraiva, 5ª edição, São Paulo, 1961
OLIVEIRA, Juarez de,
ACQUAVIVA, Marcus Claudio, Código Comercial Brasileiro, Saraiva, 21ª edição,
1977.
DINIZ, Maria Helena, Código
Civil Anotado, Editora Saraiva, 9ª edição, São Paulo, 2003
SANTOS, Theophilo de A.–
Direito da Navegação – Forense – 2ª edição, Rio, 1968
Nenhum comentário:
Postar um comentário