Segundo o Vocabulário Jurídico – De Plácido e Silva, vício próprio, é o que decorre da própria natureza da coisa, ou resulta de qualidade que lhe é inerente. É uma das causas que isenta o transportador marítimo de responsabilidade.
O Comandante, e Professor
Caminha, em sua obra Direito Comercial Marítimo define: Vício próprio pode ser
definido como a propriedade intrínseca da mercadoria. Que por seu
desenvolvimento, tende a destruir ou a avariar a si própria.
Segundo o Código Comercial
Brasileiro em seu art. 617 nos explica e exemplifica: Nos gêneros que por sua
natureza são susceptíveis de aumento ou diminuição, independentemente de má
arrumação ou falta de estiva, ou de defeito de vasilhame, como é, por exemplo,
o sal, será por conta do dono qualquer diminuição ou aumento que os mesmos
gêneros tiverem dentro do navio: em um e outro caso deve-se frete do que
numerar, medir ou pesar no ato da descarga.
Segundo o Professor
Theophilo, em sua obra Direito da Navegação, também nos orienta: Diminuição
natural de gêneros que por sua qualidade são suscetíveis de dissolução, diminuição
ou quebra em peso ou medida, entre o seu embarque e o desembarque; salvo tendo
estado encalhado o navio, ou tendo sido descarregadas essas fazendas por
ocasião de força maior; devendo-se, em tais casos, fazer dedução da diminuição
ordinária que costume haver em gêneros de semelhante natureza.
O Capitão de Mar e Guerra
Maurílio, em sua obra Arte Naval, define vício próprio: Vício próprio de uma
mercadoria é a tendência natural que ela tem para se deteriorar ou se
danificar, como por exemplo, o aquecimento espontâneo de certas fibras e de
copra, a fermentação de líquidos, as doenças de gado e a degeneração das
frutas. Os transportadores e seguradores não aceitam responsabilidade por estes
riscos.
As Regras de Haia-Visby, são
um conjunto de regras internacionais para o transporte de mercadorias, que
tratam de proteção aos interesses do transportador e do navio, como no caso da
Regra do art. 4º, que trata dos direitos e imunidades, onde vamos encontrar no
parágrafo 2º Nem o transportador nem o navio serão responsáveis por perdas ou
danos decorrentes ou resultantes de (m) desperdício a granel ou peso ou
qualquer outra perda ou dano decorrente de defeito, qualidade ou vício
inerente à mercadoria.
Desta forma o transportador
poderá defender de uma reclamação por parte dos destinatários da carga, pois
trata de um vício inerente à própria mercadoria, que pode ser uma evaporação ou
vazamento de líquidos, apodrecimento ou deterioração de cargas perecíveis como
frutas, diminuição do peso de cargas, fermentação, entre outros.
Ocorre que muitos grãos
devem ser transportados de acordo com regras de transporte de grãos, onde devem
ser observados o teor da umidade e temperatura de transporte, por isso é necessário
que o embarcador forneça a declaração de transporte da carga, informando
detalhes para o transporte, antes do início do embarque e transporte. Muitas
cargas se não forem cumpridas as recomendações da carta de transporte podem
ficar mofadas, endurecidas e acabando apresentando sinais de deterioração,
devido alto teor de umidade, onde muitas vezes carrega em clima quente em pleno
verão para o clima de inverno.
O risco da deterioração das
cargas embarcadas como resultantes do seu comportamento natural, num curso de
sua viagem com mudanças de umidade e temperatura, ocorrerá se não tiverem
medidas efetivas, como observar se estão molhadas, descoloridas, endurecidas,
com odores ou mofadas.
Exemplo 1 – No embarque de
rolos de papel Kraft, na Europa, em pleno inverno com temperaturas abaixo de
zero, os rolos chegam ao costado para o embarque endurecido devido ao frio,
embarcam para o nosso país para descarga no mês de dezembro em pleno verão,
quando a temperatura está em torno de quarenta graus, atravessam o Equador com
temperaturas em torno de quarenta graus, com a possibilidade da ocorrência de
condensação sobre a carga e dentro da estrutura do porão. Durante a travessia
mesmo tomada todas as medidas de controle da umidade e temperatura, o papel
chega enrugado na sua proteção externa do rolo, e as primeiras camadas também
atingidas, isto é causado porque o papel absolve umidade, logo é um vício
inerente a sua composição de fabricação.
Exemplo 2 – No embarque de
sacaria de café em containeres o container é forrado com papel Kraft ou
similar, bem como protegendo contato com a estrutura corrugada metálica,
embarque que pode ser realizado em pleno verão, com temperaturas em torno de
quarenta graus com destino à Europa chegando a pleno inverno com temperaturas
negativas. O que normalmente vai ocorrer vestígios de condensação, pois o bloco
de estivagem da sacaria não estando protegida, o gotejamento da condensação vai
causar manchas nas sacarias, e se as proteções laterais do container ficar
descobertas a sacaria encostada diretamente na chapa vai manchar. Ocorre que o
ar quente durante a estivagem do container, mais o calor da sacaria, mais o
calor de pouca ventilação do container, ao entrar em contato com o ar frio na
mudança do clima, vai gerar condensação, não tendo como fugir dessa prática
comercial que normalmente ocorre em climas diferentes. Não podemos esquecer que
o café é uma carga higroscópica como o papel Kraft.
Dois exemplos que a meu ver
são evidentes que tratam de cargas higroscópicas e apresentam vícios inerentes,
ocorrem muitos claims e acabam parando nos Tribunais, onde o ônus da prova a
quem couber terá que ter provas suficientes e capazes para provar a ocorrência
do vício.
Para isto é preciso que uma
vistoria prévia possa obter provas no sentido de tentar contrapor as
reclamações como, por exemplo: Certificado de qualidade da carga com histórico
da colheita, amostras da carga durante a estufagem ou estivagem, fotos durante
o embarque das condições do porão, container e das cargas, se tem ventilação
mecânica ou natural durante o transporte, se as tampas de escotilhas e vedação
da portas de containeres apresentam em condições seguras de evitar entrada de
água, entre outras.
É difícil uma avaliação
precisa de ocorrência de vício próprio, entretanto se ocorrer um agravamento de
avaria pela maneira de estivagem ou estufagem das mercadorias, com certeza
haverá disputas, onde o transportador dependendo das evidências poderá ser
responsabilizado, pela perda da isenção das Regras de Haia-Visby.
Referências Bibliográficas:
FILHO, Nagib Slaibi –
CARVALHO, Gláucia, De Plácido e Silva – Vocabulário Jurídico, Editora Forense,
2009.
FONSECA, Maurílio, Arte
Naval, Serviço Gráfico do IBGE, 1960.
GOMES, Carlos Rubens
Caminha, Direito Comercial Marítimo, Editora Rio, 1978.
SANTOS, Theophilo de
Azeredo, Direito da Navegação, Editora Forense, 1968.
Código Comercial Brasileiro,
https://www.planalto.gov.br/,
2024
Regras de Haia-Visby, https://legalguide.ie/,
2024
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