terça-feira, 11 de junho de 2024

VÍCIO PRÓPRIO DA MERCADORIA (INHERENT DEFECT)

Segundo o Vocabulário Jurídico – De Plácido e Silva, vício próprio, é o que decorre da própria natureza da coisa, ou resulta de qualidade que lhe é inerente. É uma das causas que isenta o transportador marítimo de responsabilidade.

O Comandante, e Professor Caminha, em sua obra Direito Comercial Marítimo define: Vício próprio pode ser definido como a propriedade intrínseca da mercadoria. Que por seu desenvolvimento, tende a destruir ou a avariar a si própria.

Segundo o Código Comercial Brasileiro em seu art. 617 nos explica e exemplifica: Nos gêneros que por sua natureza são susceptíveis de aumento ou diminuição, independentemente de má arrumação ou falta de estiva, ou de defeito de vasilhame, como é, por exemplo, o sal, será por conta do dono qualquer diminuição ou aumento que os mesmos gêneros tiverem dentro do navio: em um e outro caso deve-se frete do que numerar, medir ou pesar no ato da descarga.

Segundo o Professor Theophilo, em sua obra Direito da Navegação, também nos orienta: Diminuição natural de gêneros que por sua qualidade são suscetíveis de dissolução, diminuição ou quebra em peso ou medida, entre o seu embarque e o desembarque; salvo tendo estado encalhado o navio, ou tendo sido descarregadas essas fazendas por ocasião de força maior; devendo-se, em tais casos, fazer dedução da diminuição ordinária que costume haver em gêneros de semelhante natureza.

O Capitão de Mar e Guerra Maurílio, em sua obra Arte Naval, define vício próprio: Vício próprio de uma mercadoria é a tendência natural que ela tem para se deteriorar ou se danificar, como por exemplo, o aquecimento espontâneo de certas fibras e de copra, a fermentação de líquidos, as doenças de gado e a degeneração das frutas. Os transportadores e seguradores não aceitam responsabilidade por estes riscos.

As Regras de Haia-Visby, são um conjunto de regras internacionais para o transporte de mercadorias, que tratam de proteção aos interesses do transportador e do navio, como no caso da Regra do art. 4º, que trata dos direitos e imunidades, onde vamos encontrar no parágrafo 2º Nem o transportador nem o navio serão responsáveis ​​por perdas ou danos decorrentes ou resultantes de (m) desperdício a granel ou peso ou qualquer outra perda ou dano decorrente de defeito, qualidade ou vício inerente à mercadoria.

Desta forma o transportador poderá defender de uma reclamação por parte dos destinatários da carga, pois trata de um vício inerente à própria mercadoria, que pode ser uma evaporação ou vazamento de líquidos, apodrecimento ou deterioração de cargas perecíveis como frutas, diminuição do peso de cargas, fermentação, entre outros.

Ocorre que muitos grãos devem ser transportados de acordo com regras de transporte de grãos, onde devem ser observados o teor da umidade e temperatura de transporte, por isso é necessário que o embarcador forneça a declaração de transporte da carga, informando detalhes para o transporte, antes do início do embarque e transporte. Muitas cargas se não forem cumpridas as recomendações da carta de transporte podem ficar mofadas, endurecidas e acabando apresentando sinais de deterioração, devido alto teor de umidade, onde muitas vezes carrega em clima quente em pleno verão para o clima de inverno.

O risco da deterioração das cargas embarcadas como resultantes do seu comportamento natural, num curso de sua viagem com mudanças de umidade e temperatura, ocorrerá se não tiverem medidas efetivas, como observar se estão molhadas, descoloridas, endurecidas, com odores ou mofadas.

Exemplo 1 – No embarque de rolos de papel Kraft, na Europa, em pleno inverno com temperaturas abaixo de zero, os rolos chegam ao costado para o embarque endurecido devido ao frio, embarcam para o nosso país para descarga no mês de dezembro em pleno verão, quando a temperatura está em torno de quarenta graus, atravessam o Equador com temperaturas em torno de quarenta graus, com a possibilidade da ocorrência de condensação sobre a carga e dentro da estrutura do porão. Durante a travessia mesmo tomada todas as medidas de controle da umidade e temperatura, o papel chega enrugado na sua proteção externa do rolo, e as primeiras camadas também atingidas, isto é causado porque o papel absolve umidade, logo é um vício inerente a sua composição de fabricação.

Exemplo 2 – No embarque de sacaria de café em containeres o container é forrado com papel Kraft ou similar, bem como protegendo contato com a estrutura corrugada metálica, embarque que pode ser realizado em pleno verão, com temperaturas em torno de quarenta graus com destino à Europa chegando a pleno inverno com temperaturas negativas. O que normalmente vai ocorrer vestígios de condensação, pois o bloco de estivagem da sacaria não estando protegida, o gotejamento da condensação vai causar manchas nas sacarias, e se as proteções laterais do container ficar descobertas a sacaria encostada diretamente na chapa vai manchar. Ocorre que o ar quente durante a estivagem do container, mais o calor da sacaria, mais o calor de pouca ventilação do container, ao entrar em contato com o ar frio na mudança do clima, vai gerar condensação, não tendo como fugir dessa prática comercial que normalmente ocorre em climas diferentes. Não podemos esquecer que o café é uma carga higroscópica como o papel Kraft.

Dois exemplos que a meu ver são evidentes que tratam de cargas higroscópicas e apresentam vícios inerentes, ocorrem muitos claims e acabam parando nos Tribunais, onde o ônus da prova a quem couber terá que ter provas suficientes e capazes para provar a ocorrência do vício.

Para isto é preciso que uma vistoria prévia possa obter provas no sentido de tentar contrapor as reclamações como, por exemplo: Certificado de qualidade da carga com histórico da colheita, amostras da carga durante a estufagem ou estivagem, fotos durante o embarque das condições do porão, container e das cargas, se tem ventilação mecânica ou natural durante o transporte, se as tampas de escotilhas e vedação da portas de containeres apresentam em condições seguras de evitar entrada de água, entre outras.

É difícil uma avaliação precisa de ocorrência de vício próprio, entretanto se ocorrer um agravamento de avaria pela maneira de estivagem ou estufagem das mercadorias, com certeza haverá disputas, onde o transportador dependendo das evidências poderá ser responsabilizado, pela perda da isenção das Regras de Haia-Visby.

Referências Bibliográficas:

FILHO, Nagib Slaibi – CARVALHO, Gláucia, De Plácido e Silva – Vocabulário Jurídico, Editora Forense, 2009.

FONSECA, Maurílio, Arte Naval, Serviço Gráfico do IBGE, 1960.

GOMES, Carlos Rubens Caminha, Direito Comercial Marítimo, Editora Rio, 1978.

SANTOS, Theophilo de Azeredo, Direito da Navegação, Editora Forense, 1968.

Código Comercial Brasileiro, https://www.planalto.gov.br/, 2024

Regras de Haia-Visby, https://legalguide.ie/, 2024

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